NOTA PÚBLICA
O Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Distrito Federal - CEDECA/DF vem a público tecer as seguintes considerações sobre as três mortes de adolescentes ocorridas nas dependências da Unidade de Internação do Plano Piloto – UIPP (antigo CAJE) nos últimos 20 dias:
- Desde 2005 o CEDECA/DF denuncia o caos da UIPP (CAJE), unidade de internação marcada pela superlotação, insalubridade, ausência de trabalho socioeducativo e denúncias recorrentes de fugas, mortes e maus tratos;
- Em 2006, a partir de provocação do CEDECA/DF, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos determinou ao Estado brasileiro a resolução das graves violações de direitos existentes na unidade de internação;
- Em quinze anos, cerca de três dezenas de mortes ocorreram nas dependências das unidades de internação do Distrito Federal, quase a totalidade delas na UIPP (CAJE). A situação, portanto, é insustentável já faz bastante tempo;
- Mesmo com todos esses anos já passados, o Governo do Distrito Federal - GDF não tomou as providências necessárias para adaptar seu sistema de responsabilização de adolescentes aos padrões previstos nas normas nacionais e internacionais. Além de não ter conseguido superar situações explícitas como a da UIPP (CAJE), não promoveu alternativas como o fortalecimento das medidas de semiliberdade, prestação de serviço à comunidade e liberdade assistida;
- Registre-se que boa parte da responsabilidade por essa situação deve ser atribuída ao Sistema de Justiça (Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública), que nesse período contribuiu significativamente para que o Distrito Federal tenha atingido a maior média nacional de internação de adolescentes;
- Já passou da hora da sociedade brasileira e de seus governantes refletirem sobre a forma como lidam com a criminalidade e a violência. Será que esse problema será realmente resolvido superlotando as dependências de unidades de privação de liberdade como a UIPP (CAJE)? Continuarão sendo coniventes com o tratamento desumano, com torturas e mortes? Criminalizar a juventude, notadamente a negra e moradora de comunidades periféricas, diminui ou reforça o contexto de desigualdade que permeia o Brasil? Que outro projeto de vida é possível com o sistema socioeducativo que temos hoje?
- O CEDECA/DF denuncia mais uma vez o desrespeito aos direitos humanos de adolescentes e jovens do sistema socioeducativo do DF e exige IMEDIATAMENTE as seguintes providências:
- O fechamento da UIPP (CAJE), em cumprimento à decisão judicial de 2010 da Vara da Infância e da Juventude do DF, e para evitar a continuidade das mortes dos adolescentes;
- A apuração das circunstâncias das mortes e o total apoio às famílias das vítimas, inclusive com iniciativas reparatórias;
- Que o GDF promova investimento planejado e significativo na estruturação das medidas socioeducativas em meio aberto e fim da superlotação nas unidades de internação;
- O cumprimento ao estabelecido no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo;
- Aplicação do princípio da excepcionalidade da medida de internação pelo Sistema de Justiça e fiscalização rigorosa do cumprimento da normativa vigente;
- Investimento público efetivo em educação, saúde, assistência social, esporte, cultura e trabalho, como forma de enfrentamento das desigualdades sociais.
Necessário reconhecer, por fim, a importância da criação, em agosto de 2012, da Vara de Execução de Medidas Socioeducativas e do compromisso assumido pelo GDF em criar, ainda esse ano, o Núcleo de Atendimento Integrado (NAI) e finalmente desativar a UIPP (CAJE).
O CEDECA/DF se solidariza com as famílias dos adolescentes mortos sob a custódia do Estado e com os/as trabalhadores/as, que mesmo mediante circunstâncias inadequadas, lutam juntos com os/as adolescentes para a construção de uma vida longe da prática infracional e com mais garantia de direitos.
Brasília, 11 de setembro de 2012.
CEDECA
NOTA À IMPRENSA
Ciente da intenção da Secretaria da Criança de transferir, até dezembro de 2012, os cerca de 350 internos da Unidade de Internação do Plano Piloto (CAJE) ao Centro de Progressão Penitenciária (CPP), que atualmente abriga cerca de 1000 sentenciados da Justiça Criminal Comum, as Promotorias da Infância e da Juventude Infracionais e de Execução de Medidas Socioeducativas do Distrito Federal esclarecem que:
Primeiramente, o Ministério Público historicamente jamais se opôs à desativação da UIPP (CAJE), pelo contrário, já propôs ações judiciais objetivando justamente a interdição da referida Unidade por não possuir as condições mínimas exigidas pelo Estatuto de Criança e do Adolescente e, mais recentemente, pela Lei Federal 12.594/2012, que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo -SINASE e em razão da constante superlotação dessa unidade.
O Ministério Público, todavia, discorda da forma como o processo de desativação da UIPP vem sendo conduzido pelo GDF, por entender que as providências que vêm sendo adotadas constituem grave violação aos princípios e normas contidos no Estatuto da Criança e do Adolescente.
O § 1º, parte final, do artigo 16, da Lei 12.594/2012 (SINASE) veda taxativamente a edificação de unidades socioeducativas em espaços contíguos, anexos, ou de qualquer outra forma integrados a estabelecimentos penais.
Embora não se possa negar o caráter punitivo da medida socioeducativa de internação, com função de repressão das condutas ilícitas e de prevenção contra o aumento da criminalidade, cumpre salientar que o objetivo principal em relação ao jovem envolvido com a prática de atos infracionais é a aplicação de medidas reeducativas e ressocializadoras, tendo em vista que são direcionadas a adolescentes, para quem, o Estatuto, nos termos de seu artigo 2.°, preconiza a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. Saliente-se, ainda, que o artigo 123 do ECA dispõe que a medida socioeducativa de internação deve ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, obedecida rigorosamente a separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração.
Vale esclarecer que a medida de internação poderá ser executada até que o jovem complete 21 anos de idade (artigo 121, §5º, do ECA), isto para possibilitar que o jovem que praticar ato infracional pouco tempo antes de alcançar a maioridade não fique sem a resposta do Estado para a sua conduta ilícita.
Além disso, a Lei do SINASE (artigo 8º) também determina que o Plano de Atendimento Socioeducativo contemple obrigatoriamente ações articuladas nas áreas de educação, saúde, assistência social, cultura, capacitação para o trabalho e esporte para os internos, ou seja, a estrutura física do prédio necessariamente deve conter espaços adequados à realização dessa atividades multidisciplinares, o que não ocorre no sistema prisional e, certamente, não vai ocorrer com a mudança açodada para um prédio que está capacitado apenas para receber presos sentenciados pela Justiça Criminal Comum em regime semi-aberto.
Ademais, a citada legislação federal, em seus artigos 15 e 16, estabelece como requisito específico para a inscrição dos programas de internação a comprovação da existência de estabelecimento educacional com instalações adequadas e em conformidade com as normas de referência; bem como a estrutura física da unidade seja compatível com as normas de referência do SINASE, o que também não existe no local proposto pelo GDF.
Foi constatado, também, em vistoria pelo Ministério Público que o CPP apresenta uma estrutura física que não comportaria reformas adequadas para o acolhimento seguro e apto a evitar fugas, tumultos, rebeliões e danos ao patrimônio público por parte dos internos do CAJE, mormente quando inexiste sequer um laudo pericial a atestar a viabilidade do prédio no sentido de alojar os internos mesmo após qualquer tipo de reforma.
Por sua vez, ainda que o local atendesse às exigências legais, o programa de atendimento ainda terá que ser submetido ao Conselho Distrital dos Direitos da Criança e do Adolescente (CDCA), que a Lei do SINASE lhe confere competência para deliberar e controlar o Sistema de Atendimento Socioeducativo (inciso II, do art. 88, do ECA), o que demanda tempo.
Pelo exposto, manifesta-se o Ministério Público contrariamente a qualquer iniciativa de transferência de internos do CAJE ao CPP porquanto inexiste plano de atendimento socioeducativo, bem como não possui estrutura física adequada aos parâmetros estabelecidos pelo SINASE, estando, entretanto, aberto a diálogo para buscar a solução da crise atual do Sistema Socioeducativo do Distrito Federal.
Promotores de Justiça da Infância e da Juventude de Execução de Medidas Socioeducativas e Infracionais de Brasília e de Samambaia
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